Economia I

Enquanto setor público registra contratação, 11,5 milhões perdem emprego no setor privado

Número é superior à população de Portugal e reflete os efeitos da pandemia do novo coronavírus.


O Auxílio Emergencial também contribuiu para que uma parcela significativa da população pudesse ficar sem trabalhar

Em meio à pandemia do novo coronavírus, a economia brasileira viu um contingente superior à população de Portugal deixar o mercado de trabalho no setor privado.

Entre os meses de setembro de 2019 e de 2020, 11,5 milhões de brasileiros saíram da população ocupada no setor privado – número recorde, segundo levantamento realizado pela consultoria IDados, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Trimestral. Na contramão, nesse mesmo período, o setor público criou 145,4 mil postos de trabalho.

No total, o Brasil tinha 70,6 milhões de trabalhadores que atuavam no setor privado em setembro do ano passado - número que inclui formais, informais, empregadores, conta própria, entre outros. Já no setor público, eram 11,8 milhões.

A diferença de trajetória dos empregos público e privado indica que as desigualdades no mercado de trabalho devem ser reforçadas pela crise atual. Isso porque, além de criar vagas, o funcionalismo paga o dobro da iniciativa privada.

Segundo o IDados, a remuneração média dos servidores era de R$ 3.951 em setembro de 2020 – valor 94,4% superior aos R$ 2.032 oferecidos pela iniciativa privada.

Na fila

O mecânico de manutenção Roberto Xavier de Souza, de 47 anos, se prepara para engrossar a fila de desempregados da iniciativa privada. Com o encerramento da produção da Ford em São Bernardo do Campo (SP), ele foi demitido, mas, em seguida, recontratado pela empresa responsável por fazer a desmontagem da fábrica da montadora.

O desemprego tem data para chegar na vida dele: maio de 2021, quando a desmontagem deverá ser concluída. Sem a perspectiva de contratação no setor privado, ele planeja sobreviver com a fabricação própria de móveis de ferro galvanizado e aço escovado.

Mesmo empregado, Roberto viu sua qualidade de vida piorar. No novo trabalho, o salário é 80% menor, o que obrigou o mecânico a promover ajustes no orçamento doméstico. Casado e pai de dois filhos, ele é o principal provedor de recursos em casa.

Patamar recorde

Com a deterioração do emprego privado, a participação do setor público no mercado de trabalho passou a rondar um patamar recorde.

No trimestre encerrado em junho de 2020, a proporção de funcionários públicos chegou a 14,8% da população ocupada, o máximo já apurado desde que a Pnad Contínua começou a ser realizada, em 2012. Em setembro, apresentou um leve recuo, para 14,3%.

A estrutura da carreira no setor público ajuda a explicar por que há um aumento na contratação, apesar do cenário de restrição fiscal enfrentado por municípios, estados e União. Com promoções e progressões em excesso, há sempre falta de funcionários na ponta, explica Ana Carla, o que acaba criando uma necessidade permanente de contração de pessoal.

"Existe um mecanismo que faz com que novas contratações sejam sempre necessárias, porque falta servidor na ponta, embora haja até excesso de pessoas na atividade meio e nos topos das carreiras", afirma a economista.

No Brasil, o gasto com pessoal é a segunda maior despesa do governo federal, atrás apenas dos benefícios previdenciários. O que os especialistas dizem é que a burocracia brasileira não é numerosa, se comparada ao restante do mundo, mas custa caro por causa dos elevados salários. A saída, segundo eles, passa por reformas que alterem a estrutura das carreiras em todos os entes federativos.

Em setembro do ano passado, o governo enviou uma proposta de reforma administrativa ao Congresso, mas as mudanças valeriam apenas para os novos servidores. O texto propõe, por exemplo, o fim da estabilidade para parte dos funcionários públicos e extingue os chamados “penduricalhos”, que são benefícios, além do salário, garantidos aos servidores.

A pesquisa do IDados não detalha qual ente federativo foi responsável pela maior parte das contrações de servidores no último ano. Em nota, o Ministério da Economia informou que "não foi criado nenhum cargo efetivo (...) entre 2019 e 2020" no poder executivo federal civil.

Uma crise diferente

O levantamento do IDados evidencia que a atual crise do mercado de trabalho tem sido diferente das observadas em anos anteriores. Em períodos recessivos, a população ocupada sempre recua no setor privado, mas não com a intensidade vista atualmente. O que se percebe, agora, é que os brasileiros desistiram de procurar emprego.

Entre dezembro de 2015 e 2016, por exemplo, quando o país lidava com a combinação de uma crise econômica e política, a destruição de postos no setor privado chegou a quase 2 milhões. Ou seja, a destruição de empregos causada pela pandemia é cerca de seis vezes maior do que a verificada na última recessão.

Com a pandemia e o descontrole da doença no país, muitos brasileiros deixaram de sair de casa para procurar emprego e passaram a ser considerados fora da força de trabalho do país. O Auxílio Emergencial também contribuiu para que uma parcela significativa da população pudesse ficar sem trabalhar durante a crise sanitária.

O Auxílio Emergencial foi pago até dezembro e chegou a 68 milhões de trabalhadores. O custo do programa foi de R$ 300 bilhões e representou um elevado gasto para o governo num momento de restrição fiscal. A equipe econômica ainda não indicou se o programa será continuado ou se ganhará um substituto.

 

 

 

G1